terça-feira, 11 de outubro de 2011

Transcrição da fala do professor Eduardo Ribeiro no 1º Seminário Estadual de agricultura Familiar - Painel I: O papel da Agricultura familiar no Desenvolvimento Rural Sustentável.

T’sé: Dando início a este painel de abertura, o tema “O papel da agricultura familiar no desenvolvimento sustentável”. A nossa colega da Subsecretaria Ignes Matias, iria coordenar este painel, mas ela está com problemas de saúde e está se recuperando, e a gente vai segurar a peteca aqui, tá na chuva tem que molhar. E por falar em chuva daqui uma semana se Deus quiser a chuva vai cair aí nas nossas lavouras. No vale do Jequitinhonha, no norte de Minas, no estado inteiro. 


Então a gente convida para este painel para ajudar a fazer a discussão, esta contextualização e evolução da agricultura familiar em Minas Gerais o Professor Eduardo Magalhães Ribeiro do Instituto de Ciências Agrárias do Estado de Minas Gerais, sediado em Montes Claros. Obrigado Eduardo. E para discutir o tema “Políticas públicas para povos e comunidades tradicionais” a gente chama o professor Aderval Costa Filho, antropólogo, do departamento de sociologia e antropologia da Universidade federal de Minas Gerais.
Vamos bater umas palmas fortes para os companheiros para animar as falas. Companheiros a exemplo de outros que estão aqui, e outros espalhados pelo estado, que tem um compromisso forte com a agricultura familiar e com os povos e comunidades tradicionais, de fazer esta aproximação que o Dom Mauro provocou na fala dele. A aproximação da academia, da universidade e dos pesquisadores com a agricultura familiar, fortalecendo este setor importante da nossa economia.
Antes de dar seqüência, contamos também com a contribuição do Geninho para organizar as falas. Depois das falas da mesa, nós vamos contar com um momento antes do almoço, para alguém que quiser complementar, perguntar, se manifestar, para as pessoas que ao final das falas de mesa quiserem contribuir, complementar. Apesar do andar da hora a gente terá algumas falas antes do almoço, dos companheiros aí da plenária. (...)
De imediato a gente passa a fala para Eduardo Ribeiro, para colocar um pouco para a gente a contextualização e a evolução da agricultura familiar no estado de Minas Gerais.
Prof. Eduardo Ribeiro:
Bom, obrigado T’sé. Bom dia a todos, bom dia a todas.
Eu quero começar agradecendo o convite da Secretaria da Agricultura, da Subsecretaria da Agricultura Familiar, para participar deste evento que certamente, para todos nós que trabalhamos com este assunto, é um evento histórico, é uma oportunidade extraordinária para nós debatermos este tema.
O tema da agricultura familiar, ele vem sendo tratado por agencias, por órgãos do governo do estado de Minas Gerais há pelo menos coisa de uns doze quinze anos com uma profundidade muito grande. Eu fiquei satisfeito aqui de ver companheiros que lutaram para colocar este tema com firmeza dentro das agencias públicas; como o Quaresma que está aqui presente; a Isabel, o Flávio da EMATER. E o que acontece é que, apesar de a EMATER, do IEF, da RURAL MINAS trabalharem com este tema da agricultura familiar, ele não ganhou sistematicidade suficiente dentro do governo do estado. Um tema que permaneceu diluído, um tema que permaneceu, de certa maneira, misturado com vários outros. E como se trata de um segmento que realmente tem que ser fortalecido, esse seminário certamente é uma oportunidade ímpar pra tratar deste assunto.
Mas, eu tenho também que fazer uma observação que é necessária: quero dizer, apesar de o seminário ser extremamente importante, o tema que me passaram é extremamente espinhoso. Que é analisar a evolução da agricultura familiar em Minas Gerais em vinte minutos. Realmente é um desafio T’sé, e um desafio dos mais espinhosos. Então, por conta disso, eu acabei selecionando um dos aspectos, que eu considero o mais importante, para analisar a respeito da agricultura familiar, e da evolução da agricultura familiar em Minas, e vou apresentar para vocês aqui.
Bom, é difícil. A dificuldade de tratar este tema, ela vem do fato de que a agricultura familiar é um tema extremamente novo para todos nós. Esse conceito começou a ser utilizado de forma mais generalizada ha partir do começo da década de mil novecentos e noventa. Fundamentalmente, ha partir, em termo de política pública, da criação do PRONAF em 1993; depois da consolidação do Ministério do Desenvolvimento agrário, no fim dos anos noventa. E ha partir daí este tema deslanchou, cresceu. E, quando a gente vai analisar a evolução da agricultura familiar mineira, no longo prazo, nós temos uma tremenda dificuldade, por que o conceito é recente. Quer dizer, se o conceito é recente, como é que ele existia antigamente? Como é que nós podemos fazer este conceito retroceder, para compreender as diversas situações, as diversas circunstâncias, e os diversos aspectos das diversas regiões que compõe Minas Gerais?
Então, isso se torna muito mais difícil quando se trata de agricultor familiar. Por que nós estamos aqui na segunda década do terceiro milênio, e os grupos quilombolas, os grupos indígenas, os diversos povos tradicionais estão reivindicando seu reconhecimento. E, se isso acontece nos dias de hoje, vocês imaginem o que é que isso seria isso ha cinqüenta, ha sessenta ou cem anos atrás; quando esta dinâmica de participação da sociedade civil não existia; e quando um sujeito, como é a maior parte da nossa população de agricultores familiares, que não tinham a terra, não tinham o título da terra, tinham um acesso precário a terra, não tinha patrimônio, não tinha, se a gente repor bastante no tempo, escravos. Como é que a gente constrói uma história? Como é que constrói uma evolução com um personagem desses, não é, que sequer teve a sua memória registrada?
Então, é uma tarefa um bocado difícil não é. E foi, partindo dessa dificuldade, que eu fiz uma sistematização de trabalhos que nós temos feito no nosso núcleo de pesquisa, o Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar, que funciona na UFMG, na Universidade Federal de Lavras na UFV e JM. Sistematizei as informações que a gente tem, para trazer aqui, para refletir com vocês. Esclareço que tudo isso é resultado de algumas pesquisas que nós temos feito nestes últimos dez anos, e temos contado com um apoio sistemático tanto do CNPQ - quanto da FAPEMIG.
Bom, o que é que a gente pode perceber: no histórico da formação de Minas Gerais, nós vamos encontrar um antecedente histórico de uma iniciativa que cuida, e que se preocupou com a agricultura familiar há mais ou menos um cem anos atrás, cem, cento e poucos anos atrás. O que ocorreu foi que no Brasil, naquele período final do império, surgiu uma geração, que os historiadores costumam denominar de geração de mil oitocentos setenta, que fez a crítica à monarquia, que fez a crítica à escravidão, e que formulou propostas originais, propostas muito interessantes para o desenvolvimento do Brasil, inclusive para o desenvolvimento rural.
No caso de Minas Gerais, os maiores expoentes dessa geração de mil oitocentos e setenta eram jornalistas, eram funcionários públicos; pessoas que acabaram fazendo carreira no funcionalismo público, entre eles, por exemplo, o Davi Campista, Daniel de Carvalho; o mais famoso deles, o João Pinheiro, que faziam uma crítica à forma como a nossa agricultura se organizava. E, curiosamente, aquela crítica ela era muito semelhante a essa que nós estamos vendo ser feita aqui, praticamente cem anos depois.
O que se argumentava era que a agricultura brasileira, e a agricultura mineira em particular, ela era baseada num sistema de utilização tremendamente predatório da terra, que nos levaria, fatalmente, a uma situação de estrangulamento. E, ao lado disso, este sistema predatório, ele era sustentado pelo latifúndio; e na época se fazia crítica explicita; o governo de João Pinheiro, há cem anos atrás, fazia uma crítica explicita ao latifúndio; por que ele representava de um lado um poder extremamente retrogrado, que se expressava por meio do coronelismo; e por outro lado o latifúndio sustentava aquelas técnicas, que se consideravam também retrógradas, que se utilizava na agropecuária brasileira.
Foi a partir daí que estes governantes, estes funcionários, esses pensadores formularam as primeiras políticas públicas voltadas para a agricultura familiar de Minas, que tinham como fundamento, por exemplo: as escolas técnicas, o sistema de fomento que, quase quarenta anos depois, veio a dar origem ao nosso serviço de extensão; e a idéia da colonização. A idéia da colonização que era baseada no estímulo à pequena unidade de produção e, sobretudo, a uma valorização daqueles produtos que a pequena unidade de produção agregava valor.
Conforme vocês podem ver, nestes últimos cem anos as coisas mudaram em algumas coisas; mas não mudaram muito, se nós compararmos a uma plataforma que foi construída no final do século dezenove, que entrou pelo começo do século vinte, até se materializar na construção das nossas escolas agrícolas de Lavras e Viçosa; no nosso serviço de extensão; e se materializar nos programas de colonização; mas essencialmente aquelas questões que foram colocadas elas permanecem vivas.
Então, quando nós vamos pensar na evolução da agricultura familiar de Minas, um aspecto que nos salta aos olhos é a imensa diversidade. Nós temos uma agropecuária, uma agricultura familiar, que ela se constituiu, basicamente, a partir de processos de povoamento, a partir de fluxos de povoamento que ocuparam o interior de Minas Gerais e que, grosso modo, todos nós temos consciência deles.

Basicamente nós tivemos fluxos de povoamento que vieram conformar a agricultura familiar de Minas Gerais, que foram constituídas das tantas etnias indígenas, que existiram no espaço mineiro; dessa população que os autores costumam chamar de “brasílicos”, que é meio impróprio chamar de brasileiro, cria uma polêmica em relação á população indígena  quem é que é mais brasileiro: um ou outro não é. O movimento dos “brasílicos” subindo o São Francisco; um outro movimento de brasílicos que saiu de São Paulo e se dirigiu para o que veio a ser Minas Gerais; os quilombos; os escravos libertos, e a partir do momento que ocorreu um esgotamento do ciclo de mineração no centro de Minas, ocorreu também uma espécie de refluxo da população nos diversos rumos do nosso povoamento. Ao mesmo tempo, depois destes nós tivemos mais dois tipos de refluxos de povoamento: um constituído pelos baianos, que entraram numa parte boa do nordeste de Minas, basicamente a parte do Jequitinhonha, do mucuri e parte do rio doce; e do outro lado a imigração de europeus na zona da mata.
Se nós pudermos pensar o fundamento, a origem da agricultura familiar de Minas Gerais, ela é constituída por estes diversos movimentos. Só que eles se articularam de maneiras diferentes em regiões para regiões; em municípios por municípios; com um sentido inteiramente diverso.
A gente pode ver: o sentido da entrada do São Francisco foi a subida do rio; o sentido da entrada dos paulistas foi, ainda no século dezessete, a transposição da serra da Mantiqueira, o que constituiu um povoamento colonizador original em Minas Gerais, e deu base aquilo que os autores gostavam de denominar de população nacional livre e pobre; que não era nem senhor nem era escravo, que vivia da agricultura, que produzia para si mesmo, que nós podemos identificar como a base da agricultura familiar mineira.
O próximo nos mostra o sentido daqueles refluxos. Quer dizer uma população afluiu para Minas Gerais, acabou convergindo para o centro; e refluiu para as diversas direções do estado.
O próximo: Os fluxos, que eu falei para vocês dos baianos, que saíram grande parte do sudoeste da Bahia; dos italianos que foram grande sucesso em termos de povoamento; estimulado pelo governo de João Pinheiro no fim do século dezenove, começo do século vinte.
O próximo: Em que, eu vou fazer um exercício com vocês aqui, terminando o meu tempo; mostrando a situação em cinco municípios selecionados em Minas Gerais: Januária, Teófilo Otôni, Muriaé, Bom Repouso e Dores do Indaiá; que nos mostra esta diversidade.
O próximo: Quando a gente pega cada um destes municípios, eles estão assentados dentro de um bioma específico. Caatinga em Januária; Mata Atlântica em Muriaé; Cerrado em Dores; Campo de Altitude em Bom Repouso; Mata Atlântica em Teófilo Otoni.
Acontece que o nosso povoamento indígena ele foi muito diversificado. Quer dizer, em cada um desses municípios nós tivemos um substrato de população indígena que, em grande parte das vezes, a gente costuma acreditar que ele foi exterminado, mas mesmo com todo o processo de extermínio, essa população indígena contribuiu tremendamente para a configuração das nossas diversas regiões e municípios.
Então nós encontramos aí: Caiapó, Puri, Guarani e Aymoré, só nestes cinco municípios. A gente aumenta o leque dos municípios nós vamos aumentar também o substrato indígena. E considerando que cada um destes municípios, nessas diversas regiões, teve um segundo povoamento, logo depois dos indígenas, constituído por origem diferente, ou pela entrada do São Francisco ou pelo Quilombo, ou pela entrada de São Paulo, ou pelo refluxo mineiro; e um terceiro degrau de povoamento constituído também por uma mistura destes diversos fluxos. O que acaba ocorrendo é que nós tivemos configurações regionais, que são absolutamente diferentes em todos os municípios de Minas. Por isso, nós temos uma riqueza e uma diversidade extraordinária, em termos de bases da agricultura familiar.
Grande maioria das vezes, a maioria das pessoas costuma considerar estas diferenças municipais, essas diferenças territoriais, estas diferenças regionais de Minas Gerais como deficiências. Mas eu acredito que está na hora de a gente começar a pensar isso de uma forma diferente. Nós começarmos a pensar as nossas diversidades como virtudes.
Tem um autor que alguns anos fez um estudo muito interessante sobre Minas Gerais, e ele dizia que Minas Gerais era um mosaico, constituído por população de diversas origens que formavam as diversas regiões. E isso não configura só um aspecto étnico e um aspecto cultural, mas isso configura também uma qualidade da participação nas atividades sindicais, não é Vilson? Vilson está aqui e ele sabe disso muito bem: as diferenças regionais implicam em qualidades diferentes de participação. Isso implica, naturalmente, em culturas materiais absolutamente diferentes. Por exemplo: a rapadura que se faz em Bom repouso é absolutamente diferente daquela que se faz em Januária, por exemplo. E aqueles produtos têm uma vaga semelhança - eles vêm da cana, mas o gosto acaba sendo completamente diferente. Não só por que a terra é diferente, mas por que os processos são diferentes, as culturas materiais são diferentes. Ao mesmo tempo, isso implica também em construções de organizações diferentes nestas diversas regiões. Algumas se firmam mais, por exemplo, nas organizações comunitárias; outras regiões se firmam mais nas organizações mais formalizadas. O que acaba gerando formas de representação da população da agricultura familiar, que são tremendamente diferentes.
Então T’sé, você tem um trabalho duro pela frente, vocês na subsecretaria: que é fazer, junto com todas estas organizações que já fazem, esse imenso esforço de compatibilizar as diferenças de Minas, que são muitas; e que é uma diversidade tão grande, que nós chegamos a ter dúvidas se realmente o conceito puro de agricultura familiar responde a toda a esta diversidade, a todas estas singularidades microrregionais que nós temos em Minas.
Algum tempo atrás eu via os companheiros da EMATER falando, que em Minas não existia só uma EMATER, mas que existiam muitas EMATERes. Em cada região praticamente a EMATER tinha uma dinâmica, uma articulação, uma inserção que era diferente da outra. Eu acredito que a mesma coisa deve acontecer numa outra organização, tão capilarizada quanto a EMATER, que é a FETAEMG. Quer dizer, nós temos muitas EMATEREs, nós temos muitas FETAEMGs e, com o tempo vai se aprendendo a conviver com esta diversidade. Que, como eu dizia para vocês, normalmente as pessoas tendem a considerar isso como defeitos. Mas, principalmente quando a gente vê a emergência dos povos, das comunidades tradicionais; que praticamente toda a Minas Gerais têm as suas origens bem fundas em povos tradicionais. Que se moldaram de formas diferentes, e em algumas regiões se manifestam com mais força do que outras.
E, de outro lado, quando nós vimos esta caminhada que tem sido traçada, que tem sido proposta nos últimos anos de territorializar, de colocar o foco das ações de desenvolvimento no território; nós temos que pensar isso não como um processo de homogeneizar o estado para caber uma política territorial, mas, pelo contrário, em valorizar estas localidades; valorizar estas singularidades. E construir, a partir destas diversidade de Minas Gerais, um desenho novo.  Por que a agricultura familiar, por conta das características de produção; pelo fato de a agricultura familiar se ambientalizar muito mais do que o sistema patronal da agricultura, ela espelha com mais clareza essas diferenças locais, essas diferenças regionais, e esses diversos substratos que vão lá na memória guarani; que vão lá na memória caiapó, das nossas diversas regiões.
Então, acredito que o trabalho que nós temos em relação a agricultura familiar para um futuro próximo é saber pensar a diversidade, é saber conviver com esta diversidade; e lembrar como dizia o rosa né: “Que minas não é uma, Minas são Muitas!”  T’ sé, eu acho que eu fiquei no meu tempo, eu agradeço a oportunidade de conversar aqui com o pessoal.

Fala de T’sé: Eduardo a gente é que agradece a sua contribuição, tenho certeza que já começou a colocar provocações em nossas cabeças para o debate (...)
Fala de Adeval: (...)
Perguntas da Plenária direcionadas ao professor Eduardo Ribeiro:
1.       Marcos Jota (Secretário executivo do CONSEA): Eu queria solicitar aqui ao Eduardo avançar um pouco na fala da evolução da agricultura familiar em um marco: Agora a gente tem com o PAA e agora com a lei 11947, a agricultura familiar entrando num mercado institucional, de poder fornecer alimentos via recursos públicos. E a gente sabe Eduardo que você tem uma larga experiência com a agricultura familiar, e também com as feiras de agricultores familiares no Vale do Jequitinhonha e no norte de Minas. Acho que você poderia trazer uma complementação importante neste contexto. Por que muitas vezes a gente vê companheiros nos municípios, a gente vê especificamente esta realidade na questão escolar dos gestores públicos dizendo que o município não tem agricultura familiar, ou que o município não tem a agricultura familiar organizada para produção e capacidade para fornecer; e então a gente vê e sabe que um contraponto a isso é o exemplo das feiras que vem mostrar que a agricultura familiar tem sim condição de fornecer e produzir para o mercado institucional.

2.        Marilda (coordenadoria de segurança alimentar de Contagem): Eu queria propor que o Eduardo falasse um pouco de como que ele percebe o reflexo desta diversidade da agricultura familiar, ou das agriculturas familiares do estado, nas regiões metropolitanas, principalmente das grandes cidades. A gente que trabalha com a agricultura urbana e periurbana, e percebe que esta diversidade é trazida também para a periferia para as regiões metropolitanas, principalmente nos grandes centros. E, ao mesmo tempo em que é um desafio, é uma grande riqueza. Então eu queria, Eduardo, que você falasse um pouquinho como é que você percebe essa dimensão da  diversidade que é trazida aqui para as grandes cidades, para as regiões metropolitanas. Obrigada.

3.       Carlos Dayrell: Muito legal a iniciativa deste seminário e começando por estas duas abordagens, acho que está situando de uma maneira muito legal o debate que a gente tem pela frente. Eu tenho duas questões uma para Eduardo, e outra para Aderval. Para Eduardo: foi muito legal a sua apresentação a sua leitura, eu queria que você fizesse um comentário com os dados que a gente verifica dos sensos, do IBGE, dos senso agropecuários, com relação a população urbano e rural, o último me parece que eles estão falando que a população urbana é de oitenta e seis por cento. A gente chega em um município como Ibiracatu: será que aquela população é toda urbana? Que interesses há por traz destes processos aí que para nós é extremamente prejudicial? Com relação a população, e também com relação a produção. O Alto do Rio Pardo, Rio Pardo de Minas recolheu em dois mil e sete nove reais do ICMS da cachaça. O município produz cinco milhões de litros. O que é que está por traz destes processos aí, que isso não aparece. Desse povo que vive e que produz. Do que é que eles estão vivendo e o que é que eles estão produzindo? E para o Aderval a questão das terras públicas em Minas Gerais. Minas Gerais tem uma dívida imensa com milhares de famílias que foram expropriadas e estão sendo expropriadas ainda. E a política pública do ITER é uma vergonha. É uma vergonha tá! Em processo de emissão de títulos individuais. A minha pergunta é: que impacto que tem isso para as comunidades quilombolas, as comunidades tradicionais Geraizeiras e todas outras comunidades tradicionais, este tipo de política?
Respostas de Eduardo Ribeiro á plenária: Começando pelo fim, pela questão que o Carlinhos estava colocando; esse é um tema que tem sido debatido ha já mais ou menos uns dez anos: qual é o tamanho da nossa população rural, qual é o tamanho da nossa população urbana? O que é o urbano e o que é que é o rural? E, definitivamente, não dá para a gente distinguir só pela expansão urbana. Já foi citado aqui o caso do urbano que devora áreas rurais, e que acaba havendo uma redução artificial do tamanho do rural. Aí se coloca essa pergunta, clássica. Senador José Bento, uma cidade do sul de Minas, uma sede municipal do sul de Minas, que tem trezentos habitantes é urbano? Bom, aí existe uma serie de duvidas a respeito disso. Embora exista também uma série de pesquisadores da área urbana, que dizem que esta reivindicação por aumentar o tamanho do rural é na verdade um “lob” do pessoal da sócio-economia rural para aumentar a nossa área de estudo. Isso é uma brincadeira que a turma faz.
Em relação a produção no senso, essa questão que o Carlinhos Dayrell está levantando também, ela é um tema que a primeira olhada do SENSO 2006, para mim, foi surpreendente. Foi surpreendente por dois aspectos principalmente: um por que, a ocupação da agricultura familiar e as áreas da agricultura familiar em Minas permaneceram estáveis. Ela havia sofrido um relativo declínio entre oitenta e cinco e noventa e cinco, e ela permaneceu estável. Este dado eu acho que nós temos que analisar com muito cuidado: Por que é que houve esta estabilidade que sustentou a agricultura familiar em Minas com um fôlego muito maior do que ela vinha tendo nos últimos vinte anos.
O outro aspecto que eu acho muito importante a gente considerar a respeito da agricultura familiar de Minas, que aparece no senso, é o tamanho da produção auto consumida. Quer dizer, aquela produção que, como gostam de dizer os agricultores do Alto Paranaíba mineiro, sai da mão para a boca. Aquilo que o sujeito tira da roça é aquilo que vai para a mesa, é aquilo que a família se alimenta. A produção auto consumida é tremendamente elevada, não só nesses alimentos como feijão, mandioca, milho que, tradicionalmente, são produtos de auto consumo, mas principalmente neste produto de valor agregado elevado, como por exemplo, a farinha de mandioca, a rapadura, a farinha de milho, queijo. Que alguma coisa em torno de um terço ou até cinqüenta por cento destes produtos são consumidos na própria unidade de produção ou então na própria comunidade.
 Isso abre para a gente um desenho muito diferente do que nós temos na cabeça em relação à agricultura familiar, de supor que, a produção, inclusive a produção de alto valor agregado, vai para mercado. Não. Não toda vai. E, principalmente acho que isso não deve ser lido como um sinal negativo. Isso significa principalmente que se os produtores familiares estão consumindo os produtos que eles mesmos produzem, eles estão consumindo produtos de elevada qualidade. O que entra na temática da segurança alimentar que o Marcos levantou ali.
E uma característica também que o senso em relação à produção da agricultura familiar chama demais a atenção é em relação à concentração. A produção caminhou para se concentrar em poucas unidades de produção, em poucos municípios com um nível muito mais elevado do que havia sido observado; com uma tendência muito mais elevada do que se havia observado nos sensos anteriores.
Então, o que acho que talvez esteja em questão para a gente conversar sobre a agricultura familiar e a produção é, não só qual é o tamanho dela, mas qual é o mercado, ou quais são os mercados que a agricultura familiar quer ocupar. Mas o que sobressai do senso é que o cuidado dos agricultores familiares com a sua alimentação, o cuidado dos agricultores familiares com a produção de auto consumo é bastante elevado. E se nós combinarmos esta tendência do auto consumo com aquela outra tendência dos direitos sociais, das transferências que são feitas por meio das aposentadorias, por meio das bolsas família, o que a gente vai acabar constatando é que a agricultura familiar de Minas, nestes últimos dez anos, por conta de uma convergência muito feliz entre os programas federais e os programas estaduais - de um lado os programas federais como o bolsa família, os programas de compra direta; e de outro lado o governo estadual como por exemplo o leite pela vida, o Minas sem fome - eles criaram uma convergência muito feliz de capacidade de produção de alimentos próprios para a agricultura familiar que combinado com a transferência de renda, sem dúvida criou uma situação extraordinariamente melhor do ponto de vista alimentar, do ponto de vista do acesso ao consumo, do ponto de vista ao acesso do bem estar para a agricultura familiar mineira.
Eu estou falando isso aqui para vocês e vou repitir as palavras que eu falei com o pessoal do médio Jequitinhonha, esses dias: Esses dados vocês só vão ver aparecer de público daqui a cinco anos quando os resultados do senso populacional que está sendo feito agora, forem analisados. Mas, é aquela história, eu aposto que o resultado será este. Nós juntamos uma série de evidencias indiretas, que estão mostrando que houve uma elevação de qualidade de vida extraordinária, e em grande parte graças ao mecanismo da produção auto consumida, da produção e de qualidade auto consumida.
Bom, depois a gente pode conversar mais sobre isso, por que este tema da segurança alimentar é diretamente aquilo que o Marcos do CONSEA estava levantando. E aí eu acho que é muito importante a gente reunir uma coisa com a outra e lembrar da obra de Josué de Castro que desenhou para o Brasil, lá na década de mil oitocentos e quarenta uma série de províncias alimentares, como dizia eles. Aquelas áreas em que o alimento tem características muito próprias, por exemplo, a tradicional combinação de milho com carne de porco; por exemplo, a combinação de peixe com mandioca; por exemplo, a combinação de carne de vaca com farinha de mandioca. O Josué de Castro desenhou as diversas províncias alimentares, para o Brasil inteiro, e Minas fica compartilhando umas três destas províncias.
Quando nós detalhamos  para compreender as diversas os diversos substratos, de culturas de etnias e de povos que formaram Minas Gerais, a gente se surpreende por ver como é que estas províncias alimentares permanecem vivas são extremamente consistentes e são sustentadas fundamentalmente pela agricultura familiar, que insiste e que conserva uma produção muito associada à localidade, muito associada ao estoque de recurso, muito associada a técnicas que são localizadas.
Então, por exemplo, esse é um estudo que nós estamos fazendo agora, que quando nós observamos o Rio Urucuia, aquele grande afluente do Rio São Francisco. O Rio Urucuia é um afluente que até hoje divide, uma área onde a soberania alimentar é constituída pela combinação de carne de suíno com milho, e a margem esquerda do Urucuia é onde há uma combinação forte da carne de boi com a farinha de mandioca. Outro exemplo, de divisor de águas extraordinário, Araçuaí. Araçuaí, descendo o rio Jequitinhonha, e observando o mapa do Brasil do sul para o norte, é o último ponto em que nós encontramos a farinha de milho sendo vendida na feira. O pessoal de lá a gente estava polemizando isso semana passada, mas eu digo ela não é Araçuaí ela é de Virgem da Lapa, um município ainda acima. Daí para baixo descendo o caminhando para a Bahia, nós vamos encontrar exclusivamente a farinha de mandioca; quer dizer, essa idéia da soberania alimentar, do alimento vinculado a própria identidade cultural e territorial da população, ele é muito vivo na agricultura familiar de Minas. E aí entra neste ponto que o Marcos estava tocando da aquisição de alimentos, dos programas de compras regionalizadas. Na medida que nestes programas existir abertura para admitir uma produção que tem o rosto do lugar, isso vai representar um fortalecimento extraordinário da agricultura familiar por que vai colocar a nossa diversidade alimentar, a nossa diversidade cultural, a nossa diversidade territorial, na mesa desde a formação básica da criança na escola, não é.
Então daí nós já estamos numa transição do assunto que o Marcos conhece muito melhor do que eu, que é a passagem do tema da segurança alimentar para a soberania alimentar, que é se alimentar daquilo que faz parte da própria cultura. Nós temos uma oportunidade muito grande de viabilizar estes processos por meio de programas públicos, e por meio do fortalecimento da agricultura familiar, que é quem conserva mais profundamente os nossos costumes alimentares as nossas técnicas materiais e materiais. Se nós formos fazer um inventário dos processos familiares de fabricação de farinha de mandioca, de rapadura, de queijo, em Minas Gerais, certamente nós não vamos encontrar menos que cem técnicas diferentes. E elas variam praticamente de um Município para outro de um determinado território para outro. E essa diversidade é a nossa riqueza se estes programas de aquisição de alimentos familiares persistirem certamente isso persistirá.
Por último a questão da Marilda, como esta diversidade se manifesta nas questões metropolitanas. As nossas regiões Metropolitanas elas tem uma característica muito interessante, várias delas são formadas por grandes aglomerados de imigrandtees que vem de uma determinada região. Então quando a gente vê por exemplo aquela região ali perto da Petrobras, aquilo ali é uma região para onde convergiu uma grande parte da população que convergiu do eixo da construção rio Bahia entre Catuji e taobim. Então se você quizer encontrar um conhecido de taobim, padre paraíso catuji,  se vai naquela região que se ele não estiver lá noticia dele tem. E assim por diante. Nossas áreas urbanas são grandes aglomerados, de população originaria de determinadas áreas rurais. Se a gente fizer uma decomposição dos nossos mapas urbanos pelas origens, das pessoas que constituíram aqueles bairros nos vamos encontrar lá as diversas raízes das diversas regiões de Minas. (...) Isso é perfeitamente possível de ser rastreado, dá um serto trabalho, mas é possível.
Nestes últimos tempos nós fizemos um trabalho para identificar a produção na área urbana e tivemos uma surpresa muito agradável e pudemos ver que a agricultura urbana, a agricultura que é praticada na área urbana ela tem uma raiz muito forte daquela agricultura que se pratica na área de origem do agricultor. Onde o agricultor urbano busca a rama de mandioca, busca a variedade de cana, e mantem uma interação muito viva com a sua área de origem. Quer dizer a nossa agricultura urbana boa parte dela é um reflexo da nossa Minas mais profunda, das nossas diversidades culturais, das nossas diversas formações e diversidades da formação Mineira. Bom T´sé eu falei muito vou parar por aqui e desde já agradeço o convite e agradeço o tipo de debate que nós estamos fazendo aqui que me parece muito produtivo.

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